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TELEVISÃO NO BRASIL

A Televisão no Brasil só vai sair do poço de mediocridade em que está metida, quando, quem manda nela, resolver dar um basta na subserviência ao Ibope e entender que Televisão se faz com ideias, talento, inteligência, criatividade, e não com algarismos que ficam pulando numa grade, de minuto a minuto.

O DISCO DE NIPKOW

Inventado em 1884, o disco do alemão Paul Nipkow, teve influência decisiva na criação do iconoscópio, por Vladimir Zworykin, russo, em 1923, e logo depois em 1927, do tubo dissector de imagens por Philo Farnsworth, americano. John Baird, escocês, também em 1927, foi o primeiro a transmitir uma imagem de Televisão. 

De lá até a TV de Plasma e a TV Digital, foram saltos e mais saltos evolutivos. Em outra perspectiva: da Era das Cavernas até este exato momento, o homem levou meio milhão de anos para conquistar a chamada Era da TV, que finalmente chegou. 

E como tem sido, aqui, em nossos gloriosos dias, a tão ansiosamente esperada Era da TV? 

Passados cinquenta anos de qualidade honesta e real valor, hoje, é um Cavalo de Troia que despeja em sua sala um teatro de horror. Dramaturgia canalha, tóxica, libertina que glamouriza pedófilos, ególatras, mentirosos, psicopatas, corruptos, facínoras, estelionatários , cafajestes e assassinos.

Do mesmo cavalo oco, sairão personagens que se dizem cômicos, comunicadores, jornalistas. Quando não assumem o papel de arautos de massificantes ideologias, pavoneiam-se como 'astros' e 'estrelas' de obscurecido brilho e incapacidade contumaz. Cambada fútil de cretinos, rasos, frívolos, vulgares. Big brothers do improfícuo, bregas, bobos e boçais.

E para concluir, fechando a grade e o elenco, vêm os pastores do dízimo e as merchandetes da ilusão: eles, exortando os crentes a mandar dinheiro. Elas, apregoando algas, colágenos, cartilagens e óleos de barbatana de tubarão

E tudo isso, por culpa de um cientista alemão. Do disco veio o iconoscópio; depois, o tubo de imagem; por fim, a Televisão.

O COMUNICADOR LEGÍTIMO E O MAU COMUNICADOR

O comunicador legítimo, que se distingue pela honra e qualidade, sabe guindar-se à altura de sua missão cósmica de modelador de cérebros. Dignifica o crédito de confiança que recebeu, e trata com dedicação e respeito, o canal que lhe permite falar com milhões de seres humanos.

Sabe definir, com responsabilidade e critério, o conteúdo que propõe ao público, consciente de seu papel estratégico na formação e evolução das mentes com ele sintonizadas, incentivando-as a pensar e a discernir.

Já o comunicador mal intencionado, toma por primeira providência, seduzir e escravizar a plateia mais humilde e ignorante que houver. Devotos que o aplaudem sempre que ele manda, satisfazem-se com promessas de prêmios, sorteios, loterias, e vez por outra conseguem um pequenino brinde. Solo fértil e inocente para o manipulador investir e semear, adubar, e impiedosamente cultivar a fidelidade do fã e sua imbecilização.

Pratica ele o crime de progressivo empobrecimento ético e estético da vítima, em nome da ganância de auferir números no Ibope, custe o que custar: "Eu te ofereço o circo que te dará entretenimento raso, frívolo, passageiro; tu me remunerarás com índices de audiência, que me trarão poder, fortuna, consagração".

Para isso - e como fórmula de gerar dependência e escravos- o comunicador desonesto impõe ao público que o aplaude e nele acredita, um conteúdo oco e estupefaciente, uma enxurrada de futilidades tóxicas, que atrofia o cérebro da vítima, e a que o rebanho de fãs, por ele fascinado, vai assimilando sem questionar.

Ao cruel ilusionista, o que menos interessa é falar de asas, ou dar a perceber ao espectador cativo que este é capaz de crescer, pensar, raciocinar, evoluir. "Minha proposta é entreter e divertir, satisfazendo o gosto popular, e não a de lhe revelar novos gostos e horizontes, educar ou instruir" - cinicamente, se explica. E de passatempo em passatempo, passa a vida desfraldando o irresponsável álibi, como se a desfaçatez lhe valesse de salvo conduto.

O comunicador nocivo é, enfim, um dos piores inimigos de um povo e de uma época.

O ópio por ele camuflado em cápsulas de fantasia barata, atua como lento veneno que, de gota a gota, mina, contamina, debilita o senso crítico do país-auditório, rumo à alienação e ao emburrecimento. O que inevitavelmente gerará, por consequência, no futuro e no presente - pobreza, indolência, apatia, estagnação.

TELENOVELAS

No enredo maligno, obsceno, diabólico, debochado das Telenovelas atuais, se a história tiver 200 capítulos de duração, serão 199 dias de acontecimentos sórdidos, canalhas − o pior do pior da alma humana − urdidos sem o menor resquício de pudor. 

Já não se trata mais do outrora clássico duelo entre o Bem e o Mal, mas de um show room, uma vitrine, um Manual − com todas as fórmulas e artifícios, existentes e por existir, de como entreter o respeitável público, com aulinhas subliminares, homeopáticas, diárias, de depravação e crueldade.

Artistas belíssimos, de fascínio feiticeiro; fotografia acima do perfeito; cenários dignos de Dubai.  Tudo cuidadosamente produzido para que o contagioso espetáculo de Ódio Vício Roubo Traição Extorsão Mentira Estupro Incesto Tráfico Tortura Assassinato − e muito do mais de que é capaz a criatividade pervertida do autor, passe a residir na casa de milhões de espectadores, ao longo de 7, 8 longos meses. E em seguida, exportado, para igualmente infectar uma centena de outras nações.

Por 199 dias, o Mal toma conta de tudo, manda em tudo, faz de tudo e ainda ensina como se faz. Até que no capítulo 200, que é o último, surge novo personagem, o Bem. Um Bem bobinho, coitadinho, um estranho no ninho, um intruso, um anormal. Mas, por incrível que possa parecer, não se sabe como nem por que, esse Benzinho anêmico, poderoso se revela: acaba com a novela e dá a palavra final.


HOLODRAMA

Na proporção inversa em que deslumbra em tecnologia, a Televisão brasileira degrada-se em conteúdo. A persistir tal tendência, dá-se a expectativa de que coisa bem pior do que que já é, virá. Abre-se a caixa de Pandora, fecham-se as portas da esperança. E salve-se quem puder!

Assim, bem piores do que os que já existem, novos cômicos e cantores surgirão. Serão endeusados muito além do máximo, por seus grasnidos e larachas muito além do torpe. O píncaro do inadmissível.

Da mesma forma, viveremos novos tempos de choro e ranger de dentes, com a Telenovela. Já definitiva mente sem escrúpulos, autores e atores saberão desovar um fluxo contínuo de aberrações, em cenas nunca dantes navegadas. O ápice do indescritível.

E por fim, o Antijornalismo. Âncoras e políticos sem nenhum caráter (ainda mais sórdidos do que os que conhecemos), desempacotarão inimaginável arsenal de mentiras, acionando estratagemas inéditos de desfaçatez, com que encapsularão a novíssima geração de canalhices. O paroxismo do inimaginável.

Este apavorante conteúdo irá ao ar na retumbante estreia da TV Tridimensional. É o início da assombrosa Era da Holografia, quando o respeitável público, em estado de graça e euforia, terá seus atores e atrizes, cantoras e cantores, jornalistas e políticos, a nata da quadrilha − em tamanho natural e quase em carne e osso − na sala de sua casa, na frente da família

Futuro que excita e assusta, espicaça e estigmatiza. Em alta definição, o piercing e a tatuagem que timbram qual ferro em brasa o corpo bronzeado dos artistas, são apenas tímidos sinais do horror que o paradoxo prenuncia: a Televisão brasileira degrada-se em conteúdo, na proporção inversa em que deslumbra em tecnologia

GÊNESE DA FRIVOLIDADE E BESTEIRA QUE ASSOLA A TV BRASILEIRA

A Televisão Brasileira não nasceu nem frívola, nem fútil, nem popularesca. A programação da TV Tupi Canal 3, nos anos 50 e 60, era de altíssima qualidade e continha em sua grade, o que havia de mais glorificado, aplaudido e saboroso na Dramaturgia e Música universais. Diretores como Walter George Durst, Dionísio Azevedo, Cassiano Gabus Mendes, Geraldo Vietri, Júlio Gouveia, Benjamin Cattan levavam semanalmente ao ar, os programas "TV de Vanguarda", "TV de Comédia", "Teatro da Juventude Philips", pondo ao alcance do recém-nascido e receptivo público, obras de Molière, Shakespeare, Ésquilo, Aristófanes, Ionesco, Pedro Bloch, Martins Pena, Gogol, Gorki, Dürrenmat, Bernard Shaw e dezenas de outros craques. 

Os maestros George Henry, Bernardo Federowski, Luiz Arruda Paes regiam a Grande Orquestra Tupi, no especialíssimo "Música Sempre Música" às noites de sexta-feira. Nas manhãs de domingo, o requintado som dos "Concertos Matinais" antecedia o almoço da família paulista, aperitivando-o com primorosas iguarias da Sinfônica municipal.

Programas de grande emoção e suspense, como "O Céu e o Limite" produzido por Túlio de Lemos e apresentado por Aurélio Campos tratavam com seriedade e frisson grandes temas do conhecimento universal, tornando-os inusitadamente eletrizantes. Havia programas de auditório, sim. Havia muito humor, brincadeiras, jogos, competição, dança, cantores populares e até programas de calouros, sim. Mas, o foco era outro, o de celebrar o talento, incentivar, fazer crescer, progredir. Aparecer na televisão era prêmio, nem de longe a intenção de exibir o pior do pior para espezinhar, humilhar, no intuito de usar a aberração para atrair. Para as crianças, havia muita coisa boa, desde o imortal "Sítio do Pica-pau Amarelo" a uma versão infantil de "O Céu é o Limite', patrocinado por brinquedos Estrela e por isso mesmo intitulado "A Estrela é o Limite". Instrutivo, cativante, havia como prêmios uma montanha de brinquedos para crianças que respondiam (em nível infantil) sobre astronomia, animais, folclore, por exemplo.

Nesse alvorecer da Televisão brasileira, o português falado por nossos apresentadores, locutores, comentaristas esportivos, jornalistas e repórteres, atrizes, atores  e até pelas bonitas e bem vestidas garotas-propaganda, que pisavam pela primeira vez nossos pioneiros e pequeninos estúdios  era de irrepreensível espécie e sonoridade.

Nós, os telespectadores de então (que ainda nem sabíamos que de "telespectadores", brevemente chamados seríamos) aprendíamos a amar nossos artistas da nova mídia, e por eles, com o máximo respeito e dignidade éramos tratados ("Galerinha"??? Nem por sonho!).

E assim foi. Em lua-de-mel com a televisão que acabava de chegar, esse recém-surgido público telespectador aceitava, aplaudia e muito aprendia com a programação da Tupi, Excelsior e Record dos primórdios. E com afinco e entusiasmo, estaria fazendo isso até hoje (e o nível cultural do brasileiro, por certo bem melhor estaria), não fosse o advento de uma gananciosa corrente contrária. "À massa deve ser dado aquilo que está à altura dos gostos e acervo cognitivo dela", rezava a cartilha corrupta daqueles que queriam seduzir o público, para este escravizar, manipulá-lo ou vender suas mercadorias e produtos, corrompendo-o, nivelando-o por baixo. Desde então (e que salvas sejam as exceções de sempre), o popularesco, o frívolo, o vulgar passaram a reinar soberanos e impunes, para nunca mais perderem a coroa e o cetro. E  como diria o espalhafatoso "filósofo" Antônio Abujamra, "a tendência é piorar". 

Para o bom entendedor, pingo é pingo e letra é letra.

Laura Cardoso e Rildo Gonçalves, em "Hamlet"  (TV Tupi "TV de Vanguarda"  anos 50) 


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